A visão de um píer é um horizonte repleto de possibilidades imagéticas, empíricas e psíquicas. Ao mesmo tempo que é possível se perder nas confluências entre as cores formadas pelo céu e a imensidão do mar, há aqueles que relatam uma emoção catártica ao se deparar com a beleza sublime existente na natureza.
Como meros observadores de um píer, somos convidados a imergir na primeira exposição individual, do artista Brendon Reis. Em diálogo com o fotógrafo americano Alvin Baltrop, que conseguiu registrar um estilo de vida marginalizado pela sociedade, Brendon em um exercício artístico traça identidades a essas figuras formadas por jovens LGBTQIA+, que expressam seus desejos sexuais sem pudor ou culpa cristã. Entre os anos 70 e 80, Baltrop registrou por meio de suas lentes um movimento formado por jovens queer, trans e muitas vezes sem teto, que se reuniam nos cais do rio Hudson, em Nova York, para se refugiar da perseguição contra suas identidades.
Em Píer, Brendon retoma esse protagonismo gay no ambiente portuário, e cria possibilidades, narrativas e singularidades para esses indivíduos, em um exercício de humanizar essas figuras que há muito tempo permaneceram desconstituídas de suas individualidades.
A obra Três Marias (2023) é o primeiro convite para que o espectador entre nesse universo. Os corpos dos marinheiros se posicionam encarando quem imerge nessa realidade, ao mesmo tempo que o branco de suas roupas remonta a uma ausência de identidade, tema que será explorado ao longo da exposição. Já a obra Píer (2023) explora a subjetividade desses corpos, por meio das diversas formas orgânicas apresentadas nas estampas e na constelação, que formam o fundo dessa composição. Brendon explora uma técnica adaptada de um processo da gravura, chamada monotipia, explorando as possibilidades sensoriais obtidas pelo relevo dessa composição. Nesse ponto, ficam nítidas as simbologias impregnadas nas roupas dos marinheiros, que remetem a pluralidade e a individualidade exploradas nessas figuras. Enquanto, os primeiros marinheiros apresentados são desconstituídos de suas particularidades, aqui, essa construção se torna sólida e fundamental para a exposição.
Em Píer, também temos a presença de uma escultura que ocupa um papel central na exposição, gerando dinamismo, movimento e sensorialidade à mostra. Essa obra representa a abertura de sentidos a esse território tão fundamental, já que essa produção consiste em um busto inclinado repleto de formas orgânicas em sua extensão, que por sua vez foram gerados pelos dedos de Brendon. A preocupação não é com uma textura que remeta a uma pele aveludada e sem imperfeições, mas que nos dê a sensação de contato com o artista e o conceito apresentado ao longo da exposição. A obra carrega as digitais de Brendon, porque ela faz parte de sua identidade artística, assim como todos os outros projetos de sua trajetória artística.
Outro ponto fundamental são as composições focadas nos retratos dos marinheiros. Nesse momento, temos o ápice da exploração das identidades dessas figuras, já que cada obra ilustra os rostos dos marinheiros dando nomes diferentes a cada um, mas atribuindo o sobrenome ‘Oceano’, que identifica uma territorialidade comum a todos esses indivíduos. É um exercício de dar a esses personagens suas subjetividades e características, além de suas funções de trabalho.
Por fim, Píer explora sexualidade, singularidades, território, por meio dos corpos apresentados ao longo dessa exposição. Em uma confluência de sentidos, entramos nesse universo e nos tornamos apreciadores da beleza apresentada nas telas. Ao mesmo tempo, que Brendon traça esse paralelo das identidades dos trabalhadores do píer, também há um exercício de sensibilidade, beleza e imersão. É um mergulho nas subjetividades desses personagens, e um convite a explorar esse ambiente de sensações, desejos e subjetividades.