A expressão “pão e circo” (panem et circenses, em latim) criada pelo poeta satírico Juvenal, tem a sua origem no Império Romano, durante a administração de Caio Graco, 154 a.C. – 121 a.C. Tratava-se de uma alusão aristocrática sobre a manipulação da plebe romana, que segundo o seu autor, era apática e viciada no pão e circo dados pela política assistencialista vigente. Mais tarde, nos séculos XX e XXI, pesquisadores afirmaram que a história não era bem assim. Mas, enfim, o que isto tem a ver com a produção recente do artista visual catalão, Xevi Solà?
Apesar de não fazer um tratado sociopolítico a partir do seu trabalho, ao aceitar o desafio proposto pela Galeria Inox, Solà revela a sua visão sobre a “plebe contemporânea”. O que seria inicialmente apenas uma abordagem sobre festas populares, tomou uma dimensão ampliada. Como se percebe em “Gladiator”, cuja intenção do artista é criar uma simples metáfora entre um esporte de elite e os combates de gladiadores, mas ocorre que, com a passagem da Copa do Mundo pelo Brasil, torna-se impossível não associar esta imagem aos escândalos de corrupção que envolveram as construções dos estádios e infraestrutura necessários para acolher os jogos, cuja justificativa maior era um legado que se constituiria para a população.
Na vibrante tela “Carnaval”, curiosamente as duas passistas de escola de samba surgem placidamente vestidas a caráter em uma paisagem tropical, enquanto que a impudica Rainha do Carnaval se deita sobre um sofá vermelho, nua e lasciva com adereços de “plumagem viva” sobre ela. Um enquadramento bizarro, mas que é sedutor e produz um efeito hipnotizante aos olhos do observador. Esta mesma relação que atrai e desconcerta, é encontrada na obra “Halloween”, na qual a dupla de joviais mórmons reflete em seus olhares sentimentos opostos à bondade e à entrega ao próximo. Por isso, tornam-se disfarces de verdadeiros monstros de sua própria caricatura.
São estas as sutilezas que fazem toda a diferença na obra de Xevi Solà e que reiteram o senso crítico intencionalmente inserido em cada composição: um detalhe da roupa, do ambiente ou da expressão dos personagens. Nem mesmo Jesus Cristo escapa da mira do artista. Em Pan y Circo, são apresentados entusiasticamente em sua pintura alguns elementos tipicamente brasileiros ou que reportam de alguma maneira à cultura nacional. As referências ao samba e ao universo do futebol servem como pano de fundo desta série, que ironicamente apontam para os riscos da euforia popular.
Marco Antonio Teobaldo
curador